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INSTITUTO SAÚDE DO CÉREBRO
THE SQUARE PARK OFFICE, SALA: 421

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Logo marca do neuropsicólogo Luan Gama

Do Sofrimento à Sobrevivência:

A Luta Invisível de Psicólogos na Prevenção de Tragédias Anunciadas

imagem de uma pessoa prestes a pular de uma ponte.webp

UM CHAMADO DE URGÊNCIA

Na última sexta-feira, fui chamado para atender uma mulher que, por questões de sigilo, identificarei como S., de 51 anos.

 

Seu caso não era apenas mais um atendimento de rotina.

 

Desde o primeiro instante, havia algo diferente em sua postura, em seu olhar fixo, na maneira como falava pouco, mas de forma certeira. Como se cada palavra fosse milimetricamente calculada.

 

Depois de muita escuta ativa, criação de um vínculo terapêutico, entendi o porquê.

 

Ela não estava ali para buscar ajuda. Ela havia vindo para se despedir.

 

O PLANO SUICIDA: UM RELATO MINUCIOSO

Sentada à minha frente, S. começou a falar com uma tranquilidade perturbadora.

 

Ela chegou ao atendimento já com a decisão tomada: após desabafar e “falar tudo o que tinha para falar", ela pretendia se dirigir à ponte escolhida para consumar o ato. Em suas próprias palavras:

 

— “Já saí de casa decidida. Escolhi minha roupa, pensei em cada detalhe para que ninguém ficasse mais traumatizado do que já vão ficar.”

 

Seus olhos não tremiam. Sua voz não vacilava.

 

— “Escolhi calça jeans para que ninguém visse as fraturas no corpo… mas depois percebi que errei na blusa. Devia ter escolhido manga longa para cobrir os braços.”

 

Ela sabia exatamente como queria ser encontrada.

 

Cada passo do plano já estava traçado.

 

Ela não buscava aconselhamento. Ela já tinha decidido.

 

O relato foi se desenrolando com a precisão de um roteiro finalizado.

 

A dor que ela carregava não era nova. Pelo contrário, era antiga, persistente, incurável.

 

AO LONGO DOS ANOS, AS FERIDAS FORAM SE ACUMULANDO:

✔ Duas tentativas anteriores de suicídio – uma por ingestão de substâncias tóxicas, outra por tentativa de afogamento.

✔ Conflitos familiares intensos, que a deixaram isolada e emocionalmente desamparada.

✔ Dores físicas crônicas, uma endoscopia pendente há meses, negligenciada pelo sistema de saúde.

✔ Um tratamento psiquiátrico interrompido – risperidona, citalopram, prometazina, remédios receitados, mas ignorados, esquecidos em uma pilha de papéis dentro da bolsa.

 

Ela havia deixado de acreditar na eficácia dos remédios. Na eficácia de qualquer coisa.

 

A vida, para S., não era mais uma opção.

 

A ESCUTA ENTRE O ABISMO E A ESPERANÇA

A racionalidade com que ela falava aumentava ainda mais a gravidade da situação.

 

Eu não podia interrompê-la. Não podia invalidar sua dor.

 

O primeiro passo era deixá-la falar.

 

O silêncio entre as frases dela era preenchido pelo peso do que estava por vir.

 

Mas havia algo que me fez hesitar.

 

Ela estava ali.

 

Se sua decisão já estivesse totalmente firmada, por que ter vindo até a Defensoria?

 

Talvez, uma parte dela ainda esperasse um último sinal. Uma última tentativa.

 

E esse era meu papel naquele momento: encontrar essa fresta.

 

AÇÕES PARA SALVAR UMA VIDA

Diante do risco iminente, precisei agir com precisão e cautela.

 

1. Avaliação do risco imediato

O nível de planejamento e o histórico de tentativas anteriores indicavam um perigo extremo. Ela não poderia sair dali sozinha.

 

2. Construção do vínculo de confiança

Interromper um suicídio não é sobre proibir, mas sobre abrir um diálogo real. Era essencial que ela me enxergasse como um aliado, e não como um obstáculo.

 

3. Elaboração de um plano de segurança

Expliquei a S. que ela não poderia sair do local desacompanhada e que precisaríamos envolver sua rede de suporte.

 

A possibilidade de acionar o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) também foi discutida.

 

Embora, tecnicamente, seu consentimento não fosse obrigatório, a abordagem precisava preservar o vínculo estabelecido. Expliquei que o contato com familiares era necessário e pedi sua autorização antes de fazer a ligação.

 

4. Comunicação e contenção respeitosa

Embora o direito de ir e vir seja fundamental, em situações de risco iminente, a ação para proteger a vida do assistido está respaldada por princípios éticos e legais.

 

Cada palavra, cada decisão, precisava ser precisa e estratégica.

 

A PILHA DE REMÉDIOS ESQUECIDOS

Enquanto conversávamos, reparei em sua bolsa.

 

Entre os documentos, um detalhe me chamou atenção: receituários médicos dobrados, quase amassados pelo tempo.

 

Pedi que ela os retirasse.

 

Ali estavam:

 

📌 Risperidona (1mg e 3mg) – para controle de sintomas psicóticos.

📌 Citalopram (20mg) – antidepressivo.

📌 Prometazina (25mg) – ansiolítico e sedativo.

📌 Epilético (EpiVal 500mg) – estabilizador de humor.

 

Ela segurou os papéis por alguns instantes, depois os colocou sobre a mesa.

 

— “Não faz mais diferença. Eu parei há meses.”

 

Havia algo de simbólico naquele gesto.

 

Aqueles papéis não eram apenas receitas médicas. Eles eram um retrato do abandono.

 

Um sistema de saúde que prescreve, mas não acompanha. Uma paciente que recebe remédios, mas não orientação.

 

O peso do papel nas mãos dela parecia um lembrete de que sua vida havia sido reduzida a prescrições médicas e negligência.

 

Eu sabia que precisava usar aquilo a meu favor.

 

— “Então vamos começar por aqui.”

 

Ela me olhou, sem entender.

 

— “Você não precisa tomar uma decisão agora. Só precisa me prometer uma coisa: que antes de decidir qualquer coisa, vai seguir com esse tratamento por mais um tempo.”

 

Ela ficou em silêncio. Mas, pela primeira vez, hesitou.

 

E essa hesitação foi minha vitória naquele momento.

 

O ÚLTIMO RECURSO: A FAMÍLIA

Conseguimos contato com sua irmã.

 

Quando ela chegou, seu olhar misturava alívio e incredulidade.

 

— “Eu não sabia que estava tão grave.”

 

Essa é a frase que mais ouvimos nesses atendimentos.

 

Expliquei que S. não poderia simplesmente ser levada para casa sem um plano.

 

Antes de ser liberada, sua irmã assinou um Termo de Responsabilidade, onde se comprometia a:

 

✔ Garantir acompanhamento psiquiátrico regular.

✔ Assegurar que S. retomasse a medicação.

✔ Não deixá-la sozinha pelas próximas 48 horas.

✔ Facilitar o acesso ao exame médico pendente.

 

A irmã assentiu, visivelmente abalada.

 

Antes de sair, S. me olhou uma última vez.

 

E, pela primeira vez desde que entrou, seu olhar não era apenas de desespero.

 

Havia algo diferente. Havia incerteza.

 

E, em meio a tudo que aconteceu naquele dia, isso já era um começo.

A RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL DO PSICÓLOGO

Enquanto muitos profissionais de diversas áreas de atendimento lidam com situações de crise, o psicólogo detém uma responsabilidade ética singular e intransferível: atuar dentro dos preceitos do Código de Ética Profissional do Psicólogo e das normativas do Conselho Federal de Psicologia (CFP).

Diferentemente de outros profissionais que podem opinar ou agir com base em achismos ou crenças pessoais, a formação acadêmica do psicólogo fornece subsídios técnico-científicos para compreender e intervir em situações de risco.

Não cabe ao psicólogo julgar o que o paciente está dizendo, mas sim acolher, escutar e intervir da maneira mais apropriada.

 

O suicídio é um fenômeno complexo, multifatorial e que exige a aplicação de protocolos baseados em evidências científicas.

Nesse caso, os procedimentos seguidos incluíram:

  1. Avaliação do risco iminente, reconhecendo a gravidade do planejamento suicida.

  2. Construção de um vínculo de confiança, essencial para estabelecer um diálogo aberto.

  3. Elaboração de um plano de segurança, assegurando que ela não deixasse o local sozinha.

  4. Acionamento da rede de apoio, com envolvimento de familiares e avaliação psiquiátrica urgente.

A DIFERENÇA NO TRATAMENTO DO SUICÍDIO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Infelizmente, o suicídio no Brasil é um tabu tão significativo que, quando ocorre, não costuma ser noticiado, sob a justificativa de "respeito à família". Em contrapartida, em diversos estados dos Estados Unidos, o suicídio é tratado com a mesma seriedade de um homicídio, sendo investigado com rigor para identificar possíveis negligências e fatores de risco.

Essa diferença cultural influencia diretamente na prevenção, no tratamento e na formação de políticas públicas eficazes.

 

No Brasil, é essencial avançar para um debate mais aberto e embasado cientificamente, sem medo de nomear o problema e enfrentá-lo.

O PAPEL DO PSICÓLOGO COMO GUARDA DA VIDA

Atendimentos como esse impactam não apenas o paciente, mas também o profissional.

 

Carregamos a responsabilidade de atuar como a última barreira entre o sofrimento e a morte.

 

Cada decisão tomada é um peso que não pode ser sustentado sozinho: é necessário apoio institucional e social.

O compromisso do psicólogo não é apenas com aquele que está à sua frente, mas com toda a sociedade.

 

Seguimos firmes na luta contra o silêncio e na defesa da vida.

 

CONCLUSÃO: A LUTA INVISÍVEL

Atendimentos como esse não terminam quando o assistido sai da sala.

 

Eles permanecem.

 

No olhar da família. No silêncio que fica. Na pergunta que nos persegue:

 

“Será que fiz tudo o que poderia?”

 

Atendimentos como esse trazem impactos profundos para o próprio psicólogo.

 

O peso da responsabilidade de decidir os melhores encaminhamentos em um curto espaço de tempo, aliado ao envolvimento emocional ao acolher o sofrimento intenso da assistida, exige equilíbrio e suporte constante.

 

Realizar um ou dois atendimentos psicológicos em um ambiente psicoterapêutico ou em uma unidade de saúde é bem diferente de atender dois ou três casos como esse por semana em uma instituição da justiça.

A luta ainda não acabou.

 

A forma como S. relatou seu sofrimento e seus planos deixa claro o quanto um atendimento psicológico pode ser decisivo em situações de risco suicida.

 

Cada minuto investido em ouvi-la com atenção e respeito foi essencial para construir um espaço de acolhimento e abrir possibilidades de intervenção.

 

E nós, psicólogos, continuamos sendo a última barreira entre a dor e o desespero.

 

Afinal, cuidar da vida do outro é, ao mesmo tempo, um privilégio e um peso que só pode ser sustentado por um sistema de apoio coletivo.

Como profissionais de saúde mental uma de nossas missões é resgatar vidas em risco, como foi o caso desse atendimento. Ele destaca a importância de intervir ativamente para salvar aqueles que estão à beira do abismo.

“Livra os que estão sendo levados para a morte, detém os que estão sendo arrastados para a matança.”

Provérbios 24:11

 

24 de novembro de 2024.

LUAN GAMA WANDERLEY LEITE

Psicólogo/Neuropsicólogo (CRP-15/3328)

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